Sobre a reestruturação do INSS e da carreira do seguro social: uma resposta aos nossos críticos
Nestes últimos dias surgiram diversas críticas nas redes sociais
contra a pauta emergencial, voltada a responder o caos no atendimento do INSS
noticiado desde o início do ano, que as entidades têm levado para as audiências
com os representantes do Ministério da Economia, do INSS e com o Presidente da
Câmara dos Deputados.
Estas críticas, oportunas porque sinalizam que a categoria está se
apropriando de um debate fundamental sobre a estrutura do Instituto, dizem,
fundamentalmente, que os sindicatos e as entidades representativas dos
servidores do seguro social não estão dando o foco necessário para a discussão
da reestruturação da carreira.
Pois bem. Então iremos responder aos nossos críticos, como parte
de um debate estratégico, necessário e sadio, que deve ser promovido entre
todos os trabalhadores do INSS.
Antes de iniciarmos, é preciso frisar que ninguém até agora
procurou pautar o problema da reestruturação da carreira do seguro social como
nós. Há três anos, no mínimo, desde que começaram a se esboçar o esvaziamento
das nossas funções e atribuições, o Coletivo Mudança e Renovação tem levantado
sistematicamente o debate da necessidade de reestruturação da carreira do
seguro social em todos fóruns com a categoria e em todas as mesas com o governo
e a gestão.
Portanto, temos bastante legitimidade para tratar do tema da
reestruturação da carreira do seguro social, pois a anos colocamos essa pauta
como um dos focos centrais da nossa atuação.
Indo mais a fundo no tema, os colegas que que leram atentamente o estudo
“Transforma INSS” devem ter percebido que esta proposta não se limita apenas a
estabelecer uma nova tabela remuneratória e uma nova estrutura de cargos pra
agradar as reivindicações corporativas dos servidores do INSS. Este estudo
traz, na verdade, proposta muito maior, de reestruturação do INSS, propondo,
inclusive, que a autarquia assuma uma nova função estratégica para o Estado e
para a sociedade.
O que está em debate com o “Transforma INSS”, portanto, não é a carreira
propriamente dita, mas qual o caráter e a estrutura da autarquia, quais suas
atribuições e finalidades no Estado que está se desenhando – é preciso
recordarmos que estamos num processo de profunda reestruturação do Estado
brasileiro. A discussão sobre a carreira do seguro social está subordinada a
este debate maior, pois diz respeito a importância das nossas atribuições para
o conjunto da sociedade, o que justifica nossa existência enquanto servidores.
Assim, é fundamental que estejamos inseridos neste debate em toda
a sua grandeza, até para que não venhamos ser taxados de corporativistas, de
servidores que só se preocupam com seus privilégios e não estão nem aí para as
demandas da sociedade, como normalmente é propagado pela mídia e pelo governo –
inclusive por declarações do novo presidente do INSS.
Dito isso, queremos explicar aos colegas que a pauta que estamos
apresentando nas mesas com o governo e para a sociedade como um todo não tem
nada de desconexas ou surreais. Elas procuram atacar objetivamente esse debate,
em toda a sua amplitude, em basicamente três frentes:
A frente mais imediata se volta contra o caos do INSS, que se
expressa, essencialmente, na suspensão do atendimento à população, na falta de
servidores para a realização dos serviços, e nas precárias condições de trabalho
que nos são oferecidas (sistemas inoperantes, problemas de rede, etc.). Gostem ou
não os colegas, do ponto de vista da nossa função social, o atendimento ao
público não pode ser simplesmente suprimido e realocado pra os canais remotos.
Pelo menos até que forem produzidos sistemas que realmente funcionem, e que a
inclusão digital se torne uma realidade na sociedade, o atendimento presencial
e os canais remotos devem coexistir se complementar. Não é uma invenção nossa,
dos sindicatos. É o que a sociedade demanda.
Além disso, os colegas que trabalham nas CEAB, que em sua grande
maioria têm por princípio fazer o seu trabalho bem feito e se negam a indeferir
pedidos só por carência de documentação, relatam bem que os processos se
tornaram mais difíceis, tortuosos e demorados para serem analisados, porque a
população leiga, que desconhece a legislação previdenciária, tem dificuldade de
compreender as instruções e juntar os documentos necessários. O atendimento
presencial é, assim, uma forma de sanear a maior parte destes problemas, tornando mais
ágeis os processos, o que é de interesse tanto da sociedade como dos colegas
que dependem do cumprimento de metas.
Por isso estamos defendendo, como plataforma emergencial para atacar
à esta crise do INSS, a retomada do atendimento ao público, a formação de uma
força tarefa com os servidores recentemente aposentados na análise dos benefícios,
a realização de concurso público para a recomposição da força de trabalho no
Instituto e a solução dos problemas mais urgentes de infraestrutura (internet
que funcione, INSS Digital que funcione, etc.).
Mas isso é o emergencial, o imediato. Numa segunda frente da nossa
plataforma de ação atacamos questões mais estratégicas, como a proposta de
autarquia especial trazida pelo documento “Transforma INSS”, que sugere novas
funções e atribuições para o Instituto. Observem, colegas, que o que está em
debate neste documento é que o INSS deixe de ser apenas o instrumento de
operacionalização da política e do sistema previdenciário do regime geral, e
passe a assumir funções como gestor de despesas de todo o governo federal.
Se for esse o caminho, mudam totalmente nossas atribuições e nossa
função social enquanto servidores. Notem, essa discussão exige um debate muito mais profundo do
que dizer “foco na carreira”, porque a carreira, neste marco, depende da discussão
das nossas atribuições, das nossas prerrogativas enquanto servidores, da posição
estratégica que este pretenso “novo INSS” terá para o Estado e para a
sociedade.
Estamos conscientes da amplitude e da profundidade deste debate e,
embora saibamos que o resultado desta reestruturação do INSS, que, na verdade,
é parte da reestruturação do Estado que está em curso, entendemos que nossa
categoria deve estar no centro desta discussão. Como servidores e como
cidadãos, não podemos nos furtar deste debate.
Aqui entra a questão da DATAPREV levantada por muitos colegas nas
redes. As críticas pela defesa que temos feito pela recontratação dos demitidos
da DATAPREV e contra a privatização da empresa, afirmando que não temos tido o
necessário “foco na carreira” e preocupação demasiada com outras categorias, demonstram
a estreiteza com que muitos colegas tem pensado o problema. É um limite a ser
superado pela categoria. Muito para além da solidariedade entre trabalhadores, que
defendemos como princípio essencial e inalienável, a questão da DATAPREV é essencial
para uma reestruturação e fortalecimento do INSS.
Como todos sabem, além de ser responsável por toda a
infraestrutura do INSS (sistemas, redes, etc.), a DATAPREV e controla um dos
maiores cadastros do mundo, e estratégico para todas as políticas públicas do
Estado Brasileiro. Por isso não queremos a privatização da DATAPREV. Somos
contrários ao desmonte de sua estrutura e queremos que ela seja incorporada ao
INSS, como parte desta autarquia especial. É um elemento muito importante,
essencial até, para fortalecer o INSS e a nossa carreira, de assumir outras
atribuições, que sejam realmente típicas de Estado.
Nisto chegamos à questão da carreira propriamente dita, que
atacamos terceira frente. Aqui, como já dissemos acima, não tratamos apenas
questões corporativas, de reestruturação de tabela ou de funções. Uma discussão
de carreira, hoje, deve partir da definição das nossas atribuições, no marco do
reconhecimento automático, da inteligência artificial, e de toda essa
reestruturação do Estado e da administração pública que está em curso. Já levantamos
esse problema quando fizemos parte da articulação pra incluir salvaguardas às
atribuições específicas da carreira do seguro social na MP871. Enfim, o “foco
na carreira” tem também que debater nosso futuro como servidores e qual o papel
nos caberá no marco da reforma administrativa, caso ela não seja derrotada pelo
conjunto da sociedade.
Assim, essa discussão da carreira se resume ao seguinte raciocínio: se a careira do seguro social não tiver funções estratégicas para a sociedade e para o Estado, corremos sério risco de nos tornarmos uma carreira extinta, e sermos jogados na vala comum do "carreirão" que o governo quer criar.
Esses são os três eixos que nós, do coletivo Mudança e Renovação,
viemos trabalhando a mais de dois anos. Estes três eixos foram debatidos e aprovados
em diversos fóruns, como os seminários de carreira que realizamos no Rio Grande
do Sul, no Ceará, e em São Paulo, ainda em 2018, que reuniram centenas de
servidores ativos do INSS em torno desta discussão.
Agora, o “Transforma INSS” vem como uma importante contribuição
para o debate da carreira e da reestruturação do INSS. Além de animar essa, o
estudo trouxe dados e propostas que precisam discutidos pela categoria. Nesse
sentido, o Coletivo Mudança e Renovação entende como legítimo o convite para o
debate, se opõe às críticas filistinas que surgem de algumas lideranças
sindicais que, por medo ou despreparo, se acovardam de debate da carreira e da restauração
do INSS, e está empenhado em construir iniciativas para debater esta proposta,
e outras que venham a surgir, com a categoria e com a sociedade.
Salientamos que não fazemos uma defesa pura e simples do “Transforma
INSS”, mas queremos usar esta iniciativa como um importante ponto de apoio para
continuar e ampliar este debate que, para nós, servidores do INSS, e mesmo para
a sociedade, se tornou vital. Mãos à obra, pois temos um longo caminho pela
frente.